quarta-feira, 21 de maio de 2008

Lançar a confusão


O meu Ilustre Pai, desde a altura do meu estágio me dizia:
“Quando as coisa começam a ficar negras num julgamento, nada melhor do que lançar a confusão”
Há cerca de meio ano, finalmente, consegui pôr este ensinamento em pratica!
Então:
Dia de feira, na Vila onde exerço a minha actividade profissional.
Para muita gente é feriado municipal. Visitam as tendas de manhã cedinho e depois para onde é que eles vão, para onde?
É isso mesmo, para o Tribunal, assistir ao julgamento que “estiver a dar”, como quem assiste a um programa de televisão.
Levam para dentro da sala de audiências tudo e mais alguma coisa, cobertores acabados de comprar, sacos de ração para os pintainhos, vasos de flores, etc
E caixotes!

O Julgamento estava a ser complicado, estremas, esteios, marcos, delimitações, confrontações, enxada na cabeça do vizinho, enfim, tudo de bom.
A prova não me estava a correr bem, as testemunhas arroladas por mim, prestaram depoimentos vergonhosos e nada esclarecedores da posição que defendo.
Eis que entra a última testemunha arrolada pelo meu Ilustre colega, e começa a prestar o mais elucidativo de todos os testemunhos, com uma convicção absolutamente estonteante.
Olhei de soslaio para a Sra. Juiz e percebi perfeitamente que o depoimento estava a ser altamente valorado.
“Estou lixada, este gajo vai-me fazer perder a acção!”
A testemunha parecia um passarinho a responder ao Advogado da parte contrária.
Tudo ensaiadinho, a lição estudada na ponta da língua. Parecia um guião de um filme.
A Sr.ª Juiz dá-me a palavra, faço a devida vénia e começa a minha instância:
“Senhor fulano, então diga lá, há quanto tempo aconteceram os factos que nos trazem cá hoje?”
“Ai Sr.ª Dr.ª, há uns 7 anos.”
“Mas olhe que 7 anos é muito tempo, o Sr. lembra-se mesmo de ter visto, isto e aquilo e aqueloutro”
“Ó Sr.ª Dr.ª, então não me lembro!? Parece que foi ontem…”
E começa a debitar outra vez a cantilena que já tão bem tinha “cantado” em instâncias do meu ilustre colega.
“Ó Sr. fulano, isso o Sr. já referiu e exactamente com as mesmas palavras que me está a dizer agora.”
Eu estava a ficar verde!
“Ó Sr., fulano, isso parece uma cantilena, com todo o respeito que o seu depoimento me merece e que é muito, o Sr. parece um …”

E neste momento, ouve-se um resfolgar vindo de um caixote, na assistência.
O tumulto chama a atenção de toda a gente, e de repente, levanta-se uma senhora, com o caixote na mão, e diz corada.
“É um PAPAGAIO”

Digo eu:
“Srª Juiz, não fui eu que o disse!”
Pronto.
Estava lançada a confusão.




3 comentários:

Quebra Ossos disse...

Tenho razão quando digo que és a Advogada com mais sentido de Humor que conheço.
Já agora o que aconteceu a seguir, qual a reaccao da srªJuiz...rendeu-se à tua boa disposiçao ou pelo contrário manteve um ar carrancudo e arrogante?

Rachel disse...

Isto aconteceu MESMO!
Quando eu disse: "Sraª Juiz, não fui eu que o disse", a Juíz não aguentou e não conseguiu conter o riso, deu mesmo uma gargalhada.
Infelizmente, o desfecho da acção é que não foi absolutamente a meu favor, é uma acção cível e condenou o Réu só em parte do pedido.
Recorri para a Relação, inclusive da prova, que estava gravada.
Agora imagina os Senhores Desembargadores a ouvir as cassetes!!!!!
Estou à espera do Acordão, esperando e desesperando.
Lá para o final do ano, com sorte...

Quebra Ossos disse...

Gostava de estar lá para ver a reaccao dos senhores desembargadores!