terça-feira, 3 de março de 2009

Aurora.

Ficou viúva com 30 e poucos, tinha a minha mãe 5 e o meu tio 3 anos.
Foi de longe a melhor cozinheira de toda a humanidade.
Tinha um talento desmedido, fosse na decoração de bolos, na montagem de presépios, ou nos vestidos, que era a sua arte.
Desde que me lembro de ser gente, que amiúde e por largas temporadas, eu ficava na Rua Dias Ferreira, em Coimbra, em casa da minha avó.

A primeira vez que parti a cabeça, foi no Choupal, a fugir dela. (Ainda levei uma tareia por cima, para aprender a portar-me como uma menina e não como um rapaz enfurecido.)
Foi com ela que aprendi a fazer o pino, na areia da praia da Ilha de Faro, tinha a minha avó uns setenta e tal anos.
Eu cobrava dinheiro aos meus amigos de férias, para mostrar a minha avó a fazer o pino! Rendia mais, que vender bilhetes para ver um porco a andar de bicicleta.

Quando estava em casa dela, a alvorada, para todos sem excepção, era ás 7h da manhã.
Todos os dias a minha avó ía à Praça, ás 7 da madrugada, Senhor!
E todos os dias subia aquelas ladeiras desgraçadas de íngremes, desde a Rua da Sofia até à Dias Ferreira, cheia de sacos, carregada que nem uma mula, com comida que dava para alimentar dois regimentos.

Um dia, ofereceram-lhe um carrinho para as compras, para não subir aquilo tudo, carregadinha. Da vez seguinte que lá fui, ela continuava a carregar os 50 sacos que trazia da praça.
Porquê, Avó? Valha-me Deus, levamos o carrinho.
Só se fores tu, que a mim dá-me nos nervos essa geringonça, só me atrapalha.

Foi a única avó que conheci.

Não era avó de muitos mimos. Ou pelo menos de mimos exagerados e gritantes.
Ensinou-me a cozinhar, a bordar, a coser, a fazer bainhas, a fazer manjericos de comer, o vaso era esculpido em bocadinhos de cenoura e a folha era esparregado, fazia-os pequenininhos, de comer de uma só vez.
Aprendi a pintar paredes com ela e a desentupir canos, também.
A primeira manta de pacthwork fiz com ela, mas para a minha avó aquilo era uma manta de retalhos…

Há 13 anos ainda me fez quase todo enxoval do meu filho. Um mosquiteiro soberbo para o berço, lençóis em linho que ela foi desencantar sabe-se lá onde e que bordou, mantas e colchas e sei lá mais quantas coisas!

Há 13 anos, estragou o meu filho com mimos. Tadinho do menino que é pequenino. Dá-o cá para o meu colo que ele não gosta nada desse berço.

Tem hoje 97 anos.
E a vida está a ir-se dela embora. Devagarinho, serenamente.

A minha irmã veio do Alentejo, o meu tio está a chegar de Coimbra, para aquilo que deve ser a ultima reunião.

E eu, besta ordinária e egotista, choro que nem uma doida, porque só queria que ela conhecesse a minha filha.
Avó, aguenta até Julho.

5 comentários:

CGM disse...

:(

Beijinho grande, Rachel

Rachel disse...

Obrigadinha!
Infelizmente está quase.

Mad disse...

Muitos beijos. Isto de ler os posts pela ordem contrária dá nisto. Muitos, muitos beijos.

sem-se-ver disse...

chego tarde, espero que não demasiado tarde, para que receba um beijo meu, sincero.

Rachel disse...

SSV,
Não, grande querida, graças a Deus não chegas tarde, ela ainda se está a aguentar, contra todas as mais positivas expectativas.