quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Podia ser um filme… podia.

Cenário:
Gabinete do escritório.

Cena:
Consulta para Resposta a um Incumprimento de Responsabilidades Parentais.

Personagens:
Eu a minha cliente, a mãe da cliente a filha menor da cliente, com quatro anos.

(A mãe da cliente trazia enfiado na cabeça um gorro com o focinho da Hello Kitty, o que desde logo me devia ter posto alerta…)

Filme:
Entraram as três no gabinete, um bocado aos trambolhões, com a miúda à frente a comandar as tropas.
A miúda parou uns segundos, analisou rapidamente o perímetro e veio direita a mim, como se já tivesse traçado toda uma estratégia, que como verão, foi de destruição massiva…
Plantou-se ao lado da minha cadeira e gritou, sim GRITOU, “dá-me um papeeel, quero pintaaaar.”
A mãe, nem uma nem duas, a avó ainda lhe murmurou qualquer coisa do tipo, fala baixinho, mas a miúda cagou e andou.
Dei-lhe uma folha, uma caneta e disse-lhe para se sentar do outro lado da secretária.
Marimbou-se para mim também e agarrou no coisinho de pôr as canetas, como é que se chama? Aquilo onde se põem as canetas? Bem aquilo, pronto. Agarrou no coisinho e sentou-se no chão, ainda ao meu lado.
A mãe lá começou a contar a vida dela, negra como a noite e eu sempre a ver pelo canto do olho o que é que a criancinha estava a fazer.

Bom, estava, assim logo de primeiro, a riscar o soalho com um marcador florescente.
Lá arranjei um tom de voz mansinho e disse, “olha que não pode escrever no chão, vai pintar na folha que te dei, ali para ao pé da avó, está bem?”
Gritou outra vez, “Não aaaaaquiiiii.”
A mãe continuava com a lenga lenga e eu sem ouvir a ponta dum corno.
Disse outra vez à criancinha que não podia fazer riscos no chão e a avó, lá teve um rasgo de inteligência, levantou-se e veio buscá-la.
O pequeno animal desatou logo a espernear, mas lá foi arrastada para longe de mim, para o outro lado da barricada, que é como quem diz secretária.

Meus amigos!!!
Antes tivesse ficado a fazer pinturas rupestres no soalho, porque o que se seguiu provocou em mim sentimentos muito feios, quando dirigidos a uma criancinha, muito feios, mesmo.

Já sentada no colo da avó, agarrou na tesoura que estava no tal coisinho onde se põem as canetas e começou a cortar tudo o que era papel que encontrava pela frente.
Cortou dois envelopes, pegou repentinamente numa notificação que eu ainda não tinha arquivado e cortou a folha até meio, deu com a tesoura na cara da avó, quando ela lha tentou tirar, ia-se furando toda ao tentar fugir da avó com a tesoura na mão, conseguiu, sem que eu visse, tirar de cima da secretária um molho de postites daqueles que são fitinhas de plástico fininhas e cortou tudo aos bocadinhos;
Enquanto eu tirava umas cópias duns documentos que me entregou a mãe, ainda conseguiu: arrancar duas patas a um boneco que eu tenho há anos em cima da minha secretária e que me foi oferecido pelo meu filho, arrancou à dentada metade de uma mão do boneco, agrafou-lhe a outra, pintou-lhe a barriga com um marcador flurescente, pintou a capa de um processo que estava em cima da secretária, cortou a parte de cima da caixa das bolachas Maria, que estavam guardadas na estante e destruiu um ramo de flores, que eu tinha guardado dentro das portas da estante, que me tinha sido oferecido pela minha mãe, quando fiz a prova de agregação e que muito gosto tinha nele.

Juro, que quando me virei e vi o que em segundos (e garanto-vos por tudo quanto é mais sagrado que isto aconteceu em segundos) aquela criatura do demónio fez ás minhas coisas, eu tentei ir buscar o que de bom há dentro de mim, perdoar, entender que é uma criança… mas não consegui.
Ok, consegui em parte, porque não lhe dei uma carga de porrada, que era o que ela merecia.
Mas desanquei a mãe a avó, que assistiram impavidas e serenas, sem tugir nem mugir à fúria destrutiva da criancinha.

E a consulta transformou-se num sermão acerca da educação das crianças.
Transformou-se e não voltou ao que era, porque a mãe levou a mal, ficou de focinho torcido, disse que se calhar era melhor voltar noutro dia, que eu parecia estar muito nervosa e a ver pela quantidade de papelada na secretaria devia ter muito trabalho e pegou na mão da miúda, mandou levantar a mãe e adeus ó vai-te embora.

Ía a fulana já a sair pela porta fora de cabeça levantada, muito empertigada a bater com os tacões no soalho, que mais parecia um cavalo, e eu ainda a chamei:
“Olhe! A menina que deixe ficar o que leva na mão.”

Era só uma pisa papeis da Atlantis, nada de muita importância, portanto.

Aqui fica a reportagem fotográfica do que os meus nervos ainda conseguiram registar (o boneco, a caixa das bolachas, os restos do ramo de flores e o cesto do lixo, com os pedacinhos de tudo quanto aquele demónio destruiu).









5 comentários:

barbaridade disse...

Eu tenho filhos e sei o quão demoníacos podem ser.
Ainda assim estou mil por cento solidária contigo.
E a carga de porrada devias tÊ-la dado à avó e a seguir à mãe.

Beijinho,

moni disse...

Sem sombra de dúvida..... O gorro da Hello Kitty devia ter feito soar a campainha...mas.. afinal temos sempre aquela réstia de esperança!!! De que, se calhar, são normais!

kuka disse...

Então!...São crianças...Eheheh.

Fofocas disse...

uma boa sapatada no rabiote quando fazia a asneira e pensava segunda vez antes de fazer a próxima!!! eu tinha reagido da mesma forma
ps - adorei o blog! foi a 1ª vez que cá vim! beijinho

Cláudia disse...

Como te compreendo...tenho algumas clientes cujos filhos são a imitação mais pura dos diabos da Tasmânia! E engraçado, normalmente ocorrem no dito triângulo de que falas: criança, mãe, avó!
E fizeste bem em dar-lhe um sermão, a ver se acordam!